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Percepções De Futuros Professores Sobre a Formaçao Para a Docência No Ensino De Ciências Nos Anos Iniciais Da Educaçao Basica




Resumo
Pesquisas apontam dificuldades metodológicas e conceituais dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental no que se refere ao ensino de ciências. Dessa forma, considera-se importante aprofundar as investigações sobre a formaçao inicial desses professores como subsídio para a melhoria do ensino de ciências. Nesta pesquisa buscou-se identificar e analisar os saberes docentes (TARDIF, 2002) explicitados por futuros professores na analise de um episódio de ensino. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa um questionario aberto e entrevistas semi-estruturadas. A analise dos dados produzidos foi baseada em alguns princípios da Analise de Conteúdo (BARDIN, 2008) possibilitando identificar a presença de elementos referentes às condições em que tais alunos estao sendo formados para atuar, dentre outras habilitações, como professores dos anos iniciais, e mais especificamente, sua relaçao com os conteúdos escolares de Ciências e o seu ensino. Serao aqui apresentados os resultados de um dos focos da entrevista: as reflexões dos futuros professores sobre a formaçao docente para o ensino de Ciências nos anosiniciais do ensino fundamental. As considerações dos sujeitos de pesquisa sao relacionadas à disciplina Metodologia do Ensino de Ciências e a condiçao em que se sentem para ensinar Ciências. Os resultados indicam que os sujeitos se reconhecem como nao preparados para o ensino de Ciências, o que esta relacionado à formaçao inicial no curso de Pedagogia e à própria relaçao das entrevistadas com os conteúdos de ensino. Como alternativas para superaçao da insegurança e despreparo apontados, a maioria destaca o papel da pesquisa na atuaçao docente e o aprendizado que ocorre com a profissao, no próprio exercício da docência ou na troca de experiências com outros professores.


Palavras-chave: formaçao inicial de professores, ensino de ciências físicas, saberes docentes.

Abstract
Researches indicate conceptual and methodological difficulties of teachers in the early years of elementary school in relation to science teaching. Thus, it is important to deepen the investigation about the initial teacher training as a subsidy to improvement science teaching. In this study we tried to identify and analyze teacher´s knowledge (Tardif, 2002) clarified by future teachers in the analysis of an episode of teaching. We used as research tools an open questionnaire and semi-structured interviews. The analysis was based on some principles of content analysis (Bardin, 2008) that allowed to identify the presence of elements regarding the conditions under which such students are being trained to act, among other qualifications, as teachers of the early years, and more specifically, their relationship with the schoolsubjects of science and their teaching. It ill be presented in this paper the results of one focus of the interview: the reflections of teachers on teacher training for teaching science in the early years. The considerations of the study subjects are related to the course 'Methodology of Science Teaching” and the condition in which they feel to teach science. The results indicate that subjects recognize themselves as unprepared to teach physical science , which is related to initial training and the interviewees' own relationship with the teaching subjects. As alternatives to overcome insecurity and unpreparedness pointed out, the majority emphasizes the role of research in educational performance and the learning that occurs with the profession, the practice of teaching or the exchange of experiences with other teachers.
Keywords: initial teacher training, teaching of physical sciences, teacher´s knowledge.

Formaçao docente para o ensino de ciências físicas nos anos iniciais do ensino fundamental
A formaçao de professores tem sido tema recorrente nos debates educacionais, gerando para a pesquisa em educaçao desafios consideraveis para a compreensao das relações do ensinar e do aprender.

Conforme pesquisa realizada por Almeida et al. (2001), percebeu-se nas aulas de Ciências um maior enfoque, por parte dos professores dos anos iniciais, aos conteúdos relacionados a Ciências Biológicas e Saúde. As demais areas do conhecimento previstas pelos Parametros Curriculares Nacionais frequentemente nao sao contempladas, o que, segundo os autores, pode estar associado a dificuldades nasmetodologias e domínio dos conteúdos para abordar tais temas em sala de aula.

Em relaçao aos conteúdos de ciências físicas, Ostermann e Moreira (1999) destacam que estes sao utilizados erroneamente pelos professores do ensino fundamental nas aulas de Ciências, o que contribui para um ensino fragil e debilitado no que diz respeito a esses conteúdos específicos. Os autores destacam que muito da aprendizagem de Física no decorrer do período escolar do aluno depende da forma como esse contato inicial ocorre. Em geral, as crianças que inicialmente têm interesse e motivações para aprender Ciências, podem ir perdendo ao longo de sua escolarizaçao essa curiosidade inicial.

Além disso, em uma revisao bibliografica em periódicos da area de ensino de Ciências, Portela e Higa (2007) evidenciaram a pouca expressividade de trabalhos na formaçao inicial de professores em cursos de Pedagogia no que se refere ao ensino de Ciências nos anos iniciais do ensino fundamental, particularmente em relaçao ao ensino de ciências físicas. Isso reafirmou a importancia da tematica para o desenvolvimento desse trabalho como uma contribuiçao para essa area de conhecimento.

Optou-se assim por investigar a formaçao inicial de professores especialmente em um curso de Pedagogia uma vez que, segundo Freitas de Lima (2003, 2004), este é atualmente o lócus privilegiado para a formaçao de professores para atuaçao na educaçao infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

Saberes docentes e formaçao de professores
A tematica saberes docentes tem sido amplamente discutida no ambito nacional e internacional dapesquisa em educaçao.
Borges (2001) destaca que ha uma variedade de enfoques e perspectivas com que esse tema vem sendo apresentado nos trabalhos e pesquisas dessa area.

Neste trabalho, os saberes docentes serao abordados na perspectiva de Tardif (2002), que os define como um “saber plural, formado pelo amalgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formaçao profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36).

Por saberes da formaçao profissional, Tardif (2002) coloca aqueles transmitidos pelas instituições de formaçao de professores, em geral, faculdades de educaçao. Constituídos de saberes pedagógicos, sao conhecimentos adquiridos sobre os processos de ensino e aprendizagem, procedimentos didaticos, praticas educativas, normas e regras do processo educativo, envolvendo, principalmente, o como ensinar.

Os saberes disciplinares sao aqueles relacionados às diversas areas do conhecimento como história, filosofia, matematica, etc. Sao encontrados nas universidades sob a forma de disciplinas em cursos distintos e independentes das faculdades de educaçao e dos cursos de formaçao de professores, englobando aqueles conhecimentos específicos de determinada area do conhecimento, considerados essenciais aos professores, para o exercício da docência. No caso particular que interessa nesta pesquisa, os saberes disciplinares sao os conhecimentos específicos dos conteúdos da disciplina escolar Ciências, particularmente ciências físicas, relativos aos anos iniciais do ensino fundamental.

Ja os conhecimentos relativos aos programas escolares,objetivos, conteúdos e métodos correspondem aos saberes curriculares que os professores apropriam-se ao longo de suas carreiras, aprendendo a aplica-los no interior das instituições escolares.

Por fim, os saberes experienciais sao aqueles que os professores desenvolvem com base em seu trabalho cotidiano, nas relações estabelecidas nas instituições escolares; sao baseados na experiência e por ela validados. Para Tardif (2002), esses saberes “formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissao e sua pratica cotidiana” (TARDIF, 2002, p.49).

Tardif (2002) ainda coloca outros saberes que também compõem o saber docente, como os saberes pessoais dos professores, provenientes principalmente da família e os saberes da formaçao escolar anterior oriundos da escola basica. Nesse sentido, os saberes docentes, como um todo, provem de diversas fontes, tais como a história de vida, a formaçao inicial e contínua, o currículo, o livro didatico, o conhecimento do conteúdo a ser ensinado, as experiências da profissao, dentre outras. Por esse aspecto, a noçao de saber possui um sentido amplo que engloba os conhecimentos, habilidades, competências e atitudes dos docentes.

Metodologia de Pesquisa

I) Os sujeitos:
Como o objeto de estudo dessa pesquisa é a formaçao dos professores para o ensino de Ciências (especificamente ensino de conteúdos de ciências físicas) nos anos iniciais do ensino fundamental, foram definidos como sujeitos de pesquisa alunos do 4º ano do curso de Pedagogia, ou seja, alunos formandos. A escolhadesses sujeitos deve-se ao fato de estarem em fase final da graduaçao, tendo cursado as disciplinas voltadas à formaçao docente como as Metodologias do Ensino, específicas de varias areas do conhecimento, como Língua Portuguesa, História, Ciências Naturais, Matematica, Geografia, Artes e Educaçao Física. Tais disciplinas sao ofertadas a partir do 3º ano de curso, com carga horaria de 30 horas[1], o que equivale a um encontro por semana com duas horas-aula de duraçao (aproximadamente 100 minutos).

A partir de um questionario aberto, foram selecionados oito sujeitos com opçao profissional na docência e que citavam a disciplina Ciências como a de maior interesse ou maior dificuldade para trabalhar nos anos iniciais do ensino fundamental.

II) Os instrumentos utilizados
Uma vez selecionados os sujeitos, foram realizadas entrevistas divididas em duas partes. A primeira, voltada para conhecer um pouco mais sobre as experiências docentes e acadêmicas dos entrevistados; suas considerações acerca da importancia do ensino de Ciências nas séries iniciais, os conteúdos e a forma como devem ser trabalhados; além de permitir uma maior aproximaçao com os entrevistados. A segunda parte das entrevistas foi elaborada buscando levantar elementos para discutir a formaçao dos futuros professores para o ensino de Ciências nos anos iniciais, em conteúdos escolares de Astronomia, sob dois enfoques: reflexões sobre um episódio de ensino de uma aula de Ciências e a formaçao obtida na graduaçao em Pedagogia para ensinar Ciências nos anos iniciais.

A utilizaçao de episódios ou casos de ensino ainda é poucofrequente nas pesquisas em Educaçao em comparaçao com outras areas do conhecimento, tais como, Medicina e Direito (Hiebert, Gallimore, Stigler, 2002 apud Nono e Mizukami, 2002). Os episódios de ensino podem ser utilizados como exemplos reais de uma situaçao de sala de aula; como uma oportunidade de auxiliar professores na tomada de decisões a partir de determinada situaçao e ainda como um estímulo à reflexao sobre a pratica docente. É possível propor a leitura, analise e discussao de episódios ja existentes ou a elaboraçao de casos relacionados a experiências de ensino (NONO, 2001; ZULIANI, 2001; NONO e MIZUKAMI, 2002).

Nesta pesquisa optou-se o episódio de ensino foi utilizado como instrumento de pesquisa, como uma possibilidade de instigar os sujeitos a explicitarem seus saberes a partir da reflexao de uma situaçao de ensino.

Os conteúdos escolares de Ciências a serem investigados com os futuros professores deveriam ser parte integrante do currículo dos anos iniciais do ensino fundamental. A opçao foi por elementos de astronomia, através de um episódio de ensino que mostrou-se bastante pertinente para se trabalhar as relações conceituais e metodológicas com os professores em formaçao. Além disso, pesquisas da area têm evidenciado concepções errôneas dos professores em relaçao a tais conteúdos, além de alguns livros didaticos dos anos iniciais muitas vezes apresentarem erros conceituais em Astronomia.

Ao final da primeira etapa da entrevista foi solicitado a cada entrevistado que realizasse a leitura de um texto contendo o episódio de ensino que narra uma aula de Ciências, e elaborassepor escrito como poderia ser uma aula sobre o conteúdo abordado no texto. Foi dado um tempo de aproximadamente uma semana para a continuidade da entrevista para que os sujeitos tivessem oportunidade de refletir sobre o episódio indicado para leitura.

O episódio de ensino utilizado nas entrevistas narra uma aula de Ciências na qual sao abordados os movimentos da Terra e as Estações do Ano. A professora “personagem” no episódio inicia a aula com explicações de que “o verao é o tempo do calor, o inverno é o tempo do frio, a primavera é o tempo das flores e o outono é o tempo em que as folhas ficam amarelas e caem” (CANIATO, 1983). A existência da estações do ano é apresentada por essa professora como uma consequência da distancia da Terra em relaçao ao Sol. Motivado por uma curiosidade, um dos alunos inicia alguns questionamentos à professora, tais como: Se as estações do ano existem devido à distancia da Terra em relaçao ao Sol, como podem existir diferentes estações do ano na Terra, em uma mesma época no ano? Sao descritos os dialogos estabelecidos entre eles e as dificuldades da professora em explicar as considerações feitas pelo aluno.

Para analise dos dados produzidos tanto nos questionarios quanto nas entrevistas, foram utilizados alguns princípios da Analise de Conteúdo (BARDIN, 2008; FRANCO, 2008) com o objetivo de identificar e analisar os saberes docentes (TARDIF, 2002) explicitados por esses futuros professores na analise do episódio de ensino de Ciências.

Percepções sobre a formaçao docente para o ensino de Ciências
O curso de Pedagogia da instituiçao pesquisadahabilita os profissionais a atuarem como docentes nos anos iniciais e dessa forma buscou-se investigar nas entrevistas como tem ocorrido a formaçao para o ensino de Ciências. Os resultados[2] foram organizados evidenciando as percepções das futuras professoras em dois eixos: I) suas reflexões sobre disciplina Metodologia do Ensino de Ciências e II) como se sentem em relaçao ao enfrentamento da pratica profissional para o ensino de Ciências.

I) A disciplina Metodologia do Ensino de Ciências
Quando questionadas a respeito da formaçao durante o curso de graduaçao para ensinar Ciências nos anos iniciais as entrevistadas ressaltaram elementos de diferente natureza. Assim, suas respostas foram organizadas em subcategorias, evidenciando: a) à carga horaria reduzida, b) ausência de conteúdos de ensino e c) experiências positivas.

a) Carga horaria reduzida
Praticamente metade das entrevistadas destacou aspectos negativos referentes a sua formaçao como, por exemplo, a carga horaria reduzida da disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências[3].

“() sao 30 horas e nao da tempo de fazer nada.” (Aline)[4]

“A gente discute muito a respeito de política, sociologia da educaçao () e metodologias sao 30 horas só, uma hora e meia por semana, em um semestre. É muito, muito pouco. Pra quem nao tem experiência em sala de aula, nao adianta você ter uma ferramenta e nao ter outra.” (Renata

“() a gente só tem um semestre para estudar isso.” (Valéria)

A principal sugestao apontada pelas entrevistadas é o aumento da carga horaria das disciplinas Metodologias doEnsino, incluindo Metodologia do Ensino de Ciências Naturais, tal como a fala de Julia apresentada na sequencia

“() todas as metodologias, que daí entra metodologia do ensino de Ciências, elas precisariam ter uma carga horaria maior, porque eu tive Ciências 30 horas e pra mim foram bem insuficientes.” (Julia)

Durante essa investigaçao, encontrava-se em discussao uma reformulaçao do curso em questao e, conseqüentemente da grade curricular. Foi proposto um aumento da carga horaria destinada às disciplinas Metodologias do Ensino, incluindo Ciências Naturais. Sabe-se que apenas alterações de carga horaria e/ou de nomenclatura das disciplinas nao proporcionam uma efetiva mudança na formaçao inicial. Entretanto, acredita-se que o repensar sobre a formaçao e o currículo do curso é um primeiro passo e, principalmente, uma possibilidade de transformaçao e mudança das praticas.

b) Ausência de Conteúdos de Ensino
Um elemento bastante ressaltado nas entrevistas é a percepçao das próprias futuras professoras acerca da ausência dos conteúdos de ensino em sua formaçao docente. Algumas delas destacaram que nao sao trabalhados os conteúdos escolares relativos às séries iniciais, sendo pressuposto que todos os alunos que cursam Pedagogia possuem o domínio das diferentes areas de conhecimento.

“() eu achei que as metodologias era o seguinte, que eu ia ter na metodologia de Matematica conteúdos de Matematica, ia ter na metodologia de Ciências conteúdos de Ciências. A gente precisa. A gente sai da faculdade assim e nao tem nada, nao tem absolutamente nada, nada de conteúdo. Vocêaprende um pouco da legislaçao que norteia a disciplina e só.” (Aline

“() na graduaçao, a gente nao vê essas partes, os livros didaticos, essas coisas. () ter mesmo a disciplina pra você pegar essa parte de teoria, só o curso de Ciências mesmo, que teria que fazer entao a graduaçao em Ciências pra você ter um embasamento maior.” (Veridiane

“() bastante informaçao importante, mas informações que a gente vê no curso como um todo, né, da educaçao, do encaminhamento, das metodologias eu acho que é um pouco isso que essa disciplina tenta trazer, né, nao conteúdo, porque de conteúdo a gente vai pesquisar depois, vai saber na seqüência.” (Valéria)

Pelas palavras das próprias entrevistadas, ha uma carência dos saberes disciplinares (Tardif, 2002) em sua formaçao. A formaçao do professor que atua nos anos iniciais do ensino fundamental acaba sendo generalista, no sentido de esses profissionais ainda sao considerados professores polivalentes, que trabalham com todas as disciplinas presentes no currículo desse nível de escolarizaçao. Este fato, por si só, nao dispensa que sejam abordados de maneira significativa os conteúdos relativos às diversas areas do conhecimento, conforme destaca Oliveira (2007)

ha no conteúdo programatico do curso freqüentado pelo professor das séries iniciais, uma carga horaria pequena para que os conteúdos das diferentes areas do conhecimento possam ser vistos e apreendidos, essa carga horaria favorece a escassez de conteúdos da area científica associados aos de metodologia de ensino desses conteúdos nos currículos desses cursos. (Oliveira , p.16)

Evidentemente, nao se espera que o professor das séries iniciais manifeste o mesmo domínio conceitual de um professor que atua nos anos seguintes do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) ou mesmo no ensino médio. Entretanto, varios autores (LONGHINI e MORA, 2004; BARROS et al., 2006; OLIVEIRA, 2007; AUGUSTO e AMARAL, 2008; NASCIMENTO et al., 2008; RAMOS e ROSA, 2008) apontam que os cursos de formaçao de professores para as séries iniciais nao cumprem adequadamente o seu papel de formadores, particularmente, na area de Ciências Naturais, na maioria das vezes restringindo-se a metodologias esvaziadas de conteúdo.

c) Experiências positivas
Embora com menor expressao, algumas alunas citaram experiências positivas relativas à sua formaçao para ensinar Ciências nas séries iniciais.

“() geralmente as matérias, as disciplinas metodológicas aqui da faculdade nao sao tao relacionadas à pratica, assim, alguns professores, bem poucos professores eles conseguem trazer essas idéias principais de como você tem trabalhar mas, nao é a maioria. () ele [o professor de Metodologia do Ensino de Ciências] trouxe umas histórias que a gente conseguia perceber essa praticidade com o conteúdo, ele falou algumas coisas da atualidade pra gente, das revistas que estao em voga () Ele gerou bastante essa expectativa de conhecer mais, de buscar mais pra poder ensinar melhor.” (Lucia

“() as metodologias elas tem, assim, em comum a teoria de como ensinar. Entao, acho que isso que valeu muito, de você pensar que nao é só o trabalho conceitual, que você tem que trabalhar, tem quepartir pro lúdico, partir pro pratico, pro visual e esses outros recursos. Isso é um aprendizado comum assim, que eu acho que vai servir para todas as disciplinas pra se trabalhar em escola.” (Mirela)

Dessa forma, pode-se considerar que algumas ações estao sendo realizadas, ainda que de forma isolada por determinados docentes, na perspectiva de implementar novas propostas na formaçao inicial de professores no curso pesquisado.

II) O enfrentamento da pratica profissional para o ensino de Ciências
Questionadas a respeito de como se sentem para ensinar Ciências nos anos iniciais do ensino fundamental, metade das entrevistadas apontou estar despreparada, evidenciando o papel da pesquisa e do aprendizado através da profissao como alternativas para enfrentar esse despreparo.

a) Necessidade de aprofundamento conceitual
Devido a lacunas e falhas apontadas na estrutura da disciplina Metodologia do Ensino de Ciências, conforme anteriormente citado, algumas das entrevistadas consideram-se conceitualmente despreparadas para ensinar Ciências nos anos iniciais.

“() eu me sinto como na maioria dos outros conteúdos. Nao me sinto preparada () eu acho que precisaria de bastante leitura, bastante conteúdo, bastante pesquisa, bastante bastante subsídio para que eu pudesse dar uma boa aula.” (Valéria

“() posso nao dar conta, mas vou estar sempre progredindo no que estou fazendo. Nao vou dizer que a minha aula vai ser perfeita e certinha, mas acho que eu tenho condiçao. Nao pela minha experiência aqui na faculdade, porque eu nao tive muita base, assim, nametodologia que eu fiz.” (Renata)

Novamente percebe-se que as entrevistadas referem-se aos saberes disciplinares (Tardif, 2002) de modo negativo. É evidente o discurso de insegurança, despreparo, e de certa forma, insatisfaçao, em relaçao à própria formaçao. Em varias pesquisas com professores em exercício (NASCIMENTO e HAMBURGUER, 1994; LONGHINI e MORA, 2004; OLIVEIRA, 2007; ROSA, PEREZ e DRUM, 2007; LONGHINI, 2008; NASCIMENTO et al., 2008; RAMOS e ROSA, 2008) essa insegurança relacionada aos conteúdos de ensino também é constatada.

Como alternativa às dificuldades na elaboraçao de atividades para ensinar o conteúdo Estações do Ano, metade das entrevistadas destacou a necessidade de estudar sobre o assunto para aprofundar o conhecimento sobre o conteúdo.

“Achei dificuldade porque no caso eu teria que pegar uns livros () pra ter uma idéia de como que ta colocado ali e que poderia utilizar pra explicar melhor () Entao, teria que estudar mesmo, ver ali, procurar, pesquisar, pra poder ter esse conhecimento.” (Veridiane

“() eu acho que exige um pouquinho mais de estudo, assim, exige um pouquinho mais de estudo do conteúdo pra poder fazer isso. () Hoje em dia com Internet, com livros, você vai la, fica 2 horas estudando, ja sabe mais ou menos um bom conteúdo sobre a coisa.” (Lucia

“() teria que começar do zero, ir atras de material, que nem eu falei, pesquisar () buscar livros, ir para Internet, conversar com pessoas que ja trabalham com esse conteúdo, porque eu nao tenho base nenhuma.” (Milena

“() o que me ajudaria muito é pesquisarsobre aquilo que você tem que ensinar. () nos livros didaticos é interessante pesquisar porque daí você pega três livros diferentes e pode ver diversas maneiras de fazer aquilo, de trabalhar aquilo, de entender aquilo. () outra coisa, outro meio que a gente nao pode deixar de lado que é a Internet, também. Que é indispensavel, por mais que às vezes as pessoas possam até criticar mas todo mundo usa. Você vai no google e digita qualquer coisa, você vai achar no mínimo alguma coisa sobre aquilo.” (Mirela)

Destaca-se que as entrevistadas apontam para uma necessidade de aprofundamento conceitual dos conteúdos escolares a serem ensinados. As principais fontes de pesquisa por elas citadas para aquisiçao de conhecimentos específicos sao os livros didaticos, as revistas e paginas da Internet. Essas fontes sao externas ao curso de formaçao inicial, e, considerando que os futuros professores apresentam dificuldades conceituais, como avaliarao o material que estao pesquisando? Qual a qualidade do material que consultam? Apenas uma entrevistada apresenta críticas em relaçao ao livro didatico como única fonte para o professor preparar suas aulas e menciona a utilizaçao de artigos como recurso para o aprofundamento conceitual.

b) Aprendizagem na experiência docente
Apesar de se tratar de uma pesquisa em um curso de formaçao inicial de professores, algumas entrevistadas dao pistas de que a formaçao profissional é um processo contínuo, e que a experiência adquirida na pratica docente pode permitir superar as dificuldades que serao encontradas.

“() a gente nao consegue ter domínio detudo. Entao, se você tem uma aula pra ensinar isso, entao você tem que se preparar para ensinar isso. Daí claro, com a pratica e com os anos você vai tendo certas artimanhas.” (Aline

“() com o tempo que eu tô aprendendo, eu vou estar como que se diz, em uma formaçao contínua, né, porque agora eu nao posso parar.” (Veridiane)

Além disso, a troca de experiências com outros professores também foi citada como uma possibilidade de aprofundamento em certas questões relativas à pratica docente, particularmente no que se refere a conteúdos de ensino.

“() estar buscando, falando com algum outro professor: olha, eu sei que é assim, tal, mas ta difícil de passar isso para a criança, de tentar fazer com que ela entenda o porquê.” (Veridiane

“() conversar com pessoas que ja trabalham com esse conteúdo.” (Milena)

Dessa forma, ainda que se trate de um curso de formaçao inicial de professores, os saberes da experiência (Tardif, 2002) também foram destacados por alguns sujeitos da pesquisa, uma vez que a maioria dos entrevistados atua como professores auxiliares ou regentes na educaçao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Ainda que se considere que a formaçao de professores é um processo contínuo e que o desenvolvimento profissional nao se encerra no curso de graduaçao, acredita-se que os cursos de formaçao inicial deveriam articular de maneira mais significativa os saberes docentes (Tardif, 2002), proporcionando aos futuros professores estratégias formativas que possibilitem refletir sobre seus conhecimentos e concepções sobre os conteúdos, sobrecomo se ensina e como se aprende.

Considerações Finais
Neste trabalho, buscou-se identificar e analisar os saberes docentes (Tardif, 2002) explicitados por futuros professores dos anos iniciais do ensino fundamental a partir de suas percepções sobre a formaçao docente para o ensino de ciências físicas nos anos iniciais do ensino fundamental.

O reconhecimento das entrevistadas como nao preparadas para o ensino de Ciências esta relacionado à formaçao inicial do curso de Pedagogia e à própria relaçao das entrevistadas com os conteúdos de ensino.

Como alternativas para superaçao da insegurança e despreparo apontados pelas entrevistadas para ensinar Ciências, a maioria destaca o papel da pesquisa na atuaçao docente e o aprendizado que ocorre com a profissao, no próprio exercício da docência ou na troca de experiências com outros professores. Nesse sentido, mesmo se tratando de uma pesquisa com professores em formaçao inicial, sao indicados elementos relacionados aos saberes experienciais (Tardif, 2002), que sao aqueles que os professores desenvolvem com base em seu trabalho cotidiano e sao baseados em suas experiências.

Por terem a percepçao de que determinados conhecimentos nao foram contemplados em sua formaçao inicial, atribuem a aprendizagem dos conteúdos escolares à uma iniciativa pessoal, através da experiência profissional.

Grande parte dos alunos do curso de Pedagogia investigado considera a docência como uma opçao profissional, enquanto alguns a consideram uma etapa na formaçao para a atuaçao como pedagogo na organizaçao e gestao escolar. Entretanto,conforme evidenciado pela fala da aluna abaixo, o curso parece enfatizar mais a discussao sobre os fundamentos da educaçao, tais como sociologia, filosofia e história da educaçao, com uma ênfase menor na formaçao para a docência (representada na fala da aluna pelas “Metodologias”), embora essa seja uma das habilitações previstas no curso em questao.

“A gente discute muito a respeito de política, sociologia da educaçao () e metodologias sao 30 horas só, uma hora e meia por semana, em um semestre. É muito, muito pouco. Pra quem nao tem experiência em sala de aula, nao adianta você ter uma ferramenta e nao ter outra.” (Renata)

Nao é só uma questao de maior ou menor ênfase, mas da forma como as disciplinas sao trabalhadas, onde, novamente, merece destaque a necessidade de uma articulaçao entre os saberes docentes (Tardif, 2002) na formaçao, uma vez que outra aluna menciona a desarticulaçao existente entre as disciplinas do curso de formaçao inicial:

“() aqui na universidade é que a gente fala tanto de uma educaçao integral, de uma educaçao mas é tudo assim, uma disciplina é uma disciplina, outra disciplina é outra disciplina () infelizmente, nao se aplica na pratica o que se é dito em sala de aula pra gente fazer.” (Julia)

Segundo Tardif (2002), a formaçao de professores ainda é marcada por um modelo aplicacionista, em torno de lógicas disciplinares, no qual as disciplinas nao têm relaçao entre si e pouco ou quase nada modificam as concepções dos alunos sobre ensino e sobre o trabalho docente.

Considerando que as entrevistadas estao emfase final de curso e que estarao futuramente atuando nos anos iniciais do ensino fundamental, diante da insegurança e despreparo apontado por elas mesmas nas entrevistas, ficam algumas questões: Como irao lidar com as dificuldades conceituais em sala de aula? Em que medida conseguirao aprender os conteúdos escolares no dia-a-dia escolar? Terao condições de assumir posturas diferentes daquelas adotadas pela professora personagem do episódio de ensino e tao criticadas por elas? Poderao os saberes da experiência (Tardif, 2002) contribuir significativamente para a futura atuaçao docente?

A formaçao de professores é um dos desafios para o futuro da educaçao basica. E por isso é preciso pensar na formaçao de um profissional que tenha uma ampliaçao do conhecimento do processo educativo, que seja capaz de compreender criticamente o contexto social em que esta inserido, assim como, de atuar na transformaçao desse contexto e na criaçao das condições para que se efetivem os processos de ensino-aprendizagem.

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ROSA, Cleci Werner da; PEREZ, Carlos Ariel Samudio; DRUM, Carla. Ensino de Física nas séries iniciais: concepções da pratica docente. Investigações em Ensino de Ciências, v. 12, n. 3, p.357-368, 2007.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formaçao profissional. Ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 4ª ediçao, 325 p., 2002.

ZULIANI, Silvia. R. Q. A. O caso de Joaozinho da Maré e o processo de aprendizagem de futuras professoras do ensino fundamental: estudos de caso e aprendizagem profissional docente. In: III ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 2001.


[1] A nova proposta curricular para o curso de Pedagogia propõe um aumento na carga horaria das disciplinas denominadas Metodologias do Ensino para 45 horas semestrais.
[2] Para exemplificar as categorias de analise, serao expostos de dois a três extratos das falas das entrevistadas.
[3] No curso em questao, todas as disciplinas denominadas Metodologias do Ensino possuem uma carga horaria de 30 horas semestrais. Sao disciplinas ofertadas no terceiro ano do curso e procuram abordar os fundamentos teórico-metodológicos de disciplinas presentes no currículo das séries iniciais, tais como, Língua Portuguesa, História, Ciências Naturais, Matematica, Geografia, Artes e Educaçao Física.

[4] Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa.


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